sábado, 3 de abril de 2010

Conferência Nacional de Educação rejeita as propostas da Educação para Surdos

Chegamos em Brasília no dia 28 de março, domingo, para a abertura da Conferência Nacional de Educação – CONAE – etapa nacional. Nosso objetivo era defender as propostas para a Educação de Surdos que havíamos conseguido fazer passar na CONAE, etapa estadual em São Paulo, em outubro de 2009.

Recebemos o documento contendo as propostas e ficamos surpresos ao perceber que não colocaram as nossas. A mesa justificou que a CONAE nacional recebeu apenas as 11 que constavam do documento. Deu muita confusão e faltou esclarecimento!

Nós, delegados surdos e ouvintes com apoio dos intérpretes de Brasília, unimo-nos numa luta árdua durante os 4 dias seguintes, na tentativa de garantirmos boas propostas para a Educação de Surdos. As propostas apresentadas e aprovadas na CONAE Nacional serão a base para o Plano Nacional de Educação – PNE – para os próximos 10 anos. Infelizmente, deparamo-nos com manipulação de dirigentes da Educação do governo e de ONG conveniada ao Governo Federal.

As minorias todas que participavam do EIXO 6, combinaram que todos os grupos estariam votando a favor das propostas de todos os grupos de minorias, que todos os movimentos respeitariam a opinião dos grupos, uma vez que cada minoria é que sabe o que é melhor para seu próprio grupo.
E assim fizemos: votamos a favor de todas as propostas que foram destacadas por todos os grupos minoritários – movimentos dos Negros, Quilombos, Índios, MST – Movimento dos Sem Terra – Movimento dos Estudantes, professores, etc..

Nas nossas costas, depois que saímos da Plenária, esses grupos, foram chamados para uma reunião com as pessoas do Governo Federal – MEC e de representantes de ONGs, que os convenceram a votar contra as propostas destacadas pelo grupo de surdos, inclusive alegando que éramos contra a inclusão.
Assim, no dia seguinte, ficamos surpresos quando, das 11 propostas que havíamos conseguido destacar, com apoio de todos os grupos, foram rejeitadas 7, somente 3 propostas foram aprovadas com 50%, e uma com votação de 30%.
Percebemos que os representantes do Governo estavam manipulando e, após a Plenária, chamamos os movimentos para esclarecermos nossas propostas – a importância de garantirmos que os surdos tenham a Língua de Sinais como sua primeira língua (L1); o acesso à sua cultura, a possibilidade de construção de identidade,que só serão possíveis em escola bilíngue. De repente, os dirigentes e representantes da ONG entraram na reunião e chamaram mais pessoas, formando um grupo de 15 pessoas que discursaram a favor da “escola inclusiva onde deficientes mentais, físicos, cegos e também os surdos devem estudar”. Acreditam que todas professoras são capazes de dar aula para surdos, desde a educação infantil, mediante uma oficina de LIBRAS de apenas 60 ou 120 horas.
As minorias presentes sugeriram que negociássemos uma mudança de redação da proposta que havia conseguido apenas 30% na votação e que iria para a Plenária Final, no dia seguinte, porém, não aceitamos. Queriam que tirássemos do parágrafo o trecho que garantia a “opção do surdo e da família escolherem onde querem estudar”.
No dia seguinte, dirigentes do Governo Federal e da ONG ligada ao governo, distribuíram papel que dizia “REJEITAR” a proposta do grupo de surdos pois esta “reforça a organização das escolas de segregação e de diferenciar pela deficiência, contrariando a concepção da educação inclusiva” .
Durante a Plenária Final, onde seriam votadas as propostas de todos os EIXOS, fomos discriminados pelos delegados envolvidos com o MEC e pela ONG, que nos provocavam constantemente e iam de pessoa em pessoa dizer que o grupo de surdos buscava “segregação”, que eram contra a inclusão e que atrapalhariam o processo inclusivo de todas as minorias. Defendemos nossa proposta e explicamos que, para a criança surda, é importante promover a aquisição da língua de sinais e, quando crescer, poderá ir para a escola inclusiva com intérprete de LIBRAS. Também as pessoas deficientes que são do Governo Federal e movimento de ONG, vieram contra a nossa proposta e diziam que nós surdos queríamos segregação.
Vimos que os movimentos que não entendem nada sobre os surdos, sobre seu processo de aquisição de linguagem, foram influenciados, manipulados pelo Governo e que a proposta que foi aprovada na primeira instância, com 30%, e cuja sugestão de mudança de redação rejeitamos, foi reprovada.
Infelizmente não temos mais chance para fazer novas propostas, mas, por sorte, e percebendo toda a manipulação, encaminhamos no segundo dia uma moção com 3 propostas, para garantir que, se não conseguíssemos nada, pelo menos tentaríamos marcar nossas necessidades no anexo do documento oficial, aprovado na farsa que foi a CONAE.
As propostas que devem constar do documento final como ANEXO ou fazer parte dos ANAIS são:
I.Garantir a continuidade das escolas de surdos, desde a educação infantil até as séries finais, e onde não tenha escola para surdos, garantir o atendimento desses alunos em classes de surdos.
II.Garantir aos professores surdos e ouvintes que atuam nas escolas de surdos, formação específica e continuada sobre a história, aspectos linguísticos culturais do Brasil e do mundo.
III.Garantir o ingresso, nas escolas de surdos, de surdocegos e surdos com outras deficiências associadas, na perspectiva da educação inclusiva, assegurando o direito à educação em língua de sinais como a primeira língua, com presença de professor assistente, de instrutor mediador e de guia intérprete, de acordo com a necessidade do aluno.

Então, já que conseguimos entregar esta moção, agora vamos aguardar notícias da CONAE – Conferência Nacional de Educação. Este espaço, que deveria ser democrático, infelizmente foi, na verdade, uma ditadura e não conseguimos fazer valer nosso direito, por causa da manipulação dos dirigentes que nem conhecem a nossa cultura, a língua de sinais e a identidade surda do Brasil e do mundo. A CONAE foi, o que podemos chamar de uma vergonha nacional para a educação.

Delegados que participaram no CONAE 2010

Prof. Neivaldo Augusto Zovico
Prof. Moryse Vanessa Saruta
Prof. Cristiano Koyama
Prof. Maria Ines Vieira
Prof. Claudio Mourão
Prof. Cristian Strack
Maria Elisa Galvão
Mardonio Aguiar
Eulalia Cordeiro
Lilian Coutinho
Cinthia Teixeira
Renato Faustino Rodrigues

Observadores
Ana Paula Jung
Mirnamar Pagliuso

FONTE : Neivaldo Zovico/Ines Vieira

7 comentários:

  1. Olá Neivaldo, boa tarde!
    Sou aluna da Pós graduação em Tradutor e Intérprete de Libras da Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte, pretendo fazer uma pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso, sobre a falta de acessibilidade para os Surdos nos estabelecimentos comerciais e públicos e sobre as ações que podem ser feitas para garantir essa acessibilidade. Poderia contribuir com a minha pesquisa enviando algum material para mim? Ficaria imensamente grata. Rosangela.

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  2. Sou professora de surdos em uma escola de EJA da Prefeitura de POA/RS. Acompanhei o prof. Claudio (Cacau)no IPA (POA), rodada municipal. As propostas levantadas pelo prof. foram debatidas e aceitas com e pela plenária final. A Prefeitura de Porto Alegre inaugurou uma escola de ensino fundamental bilíngue no ano passado. Porto Alegre sabe da importância do aluno surdo estar em Classe Especial e respeita a decisão da Comunidade Surda.
    Faltou sensibilidade e respeito no CONAE!! A Política Nacional de Inclusão é indecente. Somente quem trabalha com os alunos surdos sabe da importância do ensino em LS. Essa política prima pela exclusão. CUIDADO BRASIL! Apóio a participação do corajoso grupo que defendeu uma Política de Respeito ao cidadão e cidadã surda. Vamos lutar por uma política de respeito às diferenças.
    Márcia Abreu-CMET Paulo Freire-Porto Alegre/RS

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  3. Nós, do Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES) estamos perplexos com o resultado da Conae! Quando participamos da Conferência Estadual do Ceará lutamos para que as propostas de São Paulo fossem aprovadas aqui também e acrescentamos ainda outras, e apesar das dificuldades locais, conseguimos a aprovação. No entanto, infelizmente, não conseguimos enviar delegados representantes para a Conae. Acredito que as instituições de ensino para surdos precisam unir forças, para provar por meio de dados reais em avaliações externas e vestibulares, o sucesso das escolas bilíngues, precisamos fazer uma rede nacional, ou até mesmo, internacional, de escolas bilíngues para desenvolvermos e compartilharmos metodologia e material didático bilíngue e divulgarmos o sucesso dos surdos que estudam em escolas bilíngues em detrimento às escolas inclusivas, somente assim estas instituições serão respeitadas.

    Juliana de Brito - diretora do ICES

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  4. Um absurdo..., repudio totalmente este comportamento, o de vetar propostas tão importantes para o acesso à educação da comunidade surda. Prefiro pensar que não houve manipulação, mas talvez ignorância dos participantes, penso que ainda temos um longo caminho a percorrer, pois as pessoas ainda não entendem que a inclusão não acontece de um dia para o outro e que a realidade da inclusão dos surdos é muito diferente dos moldes como veêm sendo implantanda. Na declaração de Salamanca, visa que inclusão é "respeitar as diferenças", então por que não estão respeitando a dos surdos? Estão é distorcendo suas reinvidicações (as dos surdos)em nome de um inclusão política e de baixo custo para os governantes. É...companheiros, temos muitas lutas a vencer ainda...

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  5. Penso que isto deveria ser divulgado em outros meios para que a população brasileira tomassem conhecimento.
    Márcia Silva - Bahia

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  6. Olá, Neivaldo!
    Sim, é verdade, dividimos sentimentos muito semelhantes em relação a participação na CONAE. Estou sempre com grupos de surdos, em diferentes momentos, com diferentes objetivos, mas confesso que me senti surda com vocês na CONAE ao sentir na pele a discriminação e falta de respeito com que as pessoas que desconhecem a educação bilingue para surdos traz como proposta de inclusão destes sujeitos... Foi lastimável!
    O lado bom (e acredite, tudo sempre tem um lado bom!) foi o fato de que acordamos, todos os defensores da Escola de Surdos, participantes da CONAE, para a necessidade de articular um movimento forte, coeso e bem fundamentado, como forma de resistência e oposição às políticas que estão sendo impostas, de cima pra baixo, sem nenhuma intensão de dar valor ao que a comunidade surda vem dizenso, há tempos...
    Ana Paula Jung/NH/Rio Grande do Sul

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  7. Prezados todos,

    Desta vez não vamos desistir e vamos continuar a nossa luta pois eu e tbm outros somos professores e temos nossa identidade para que os surdos a aprender a desenvolver e acreditar o nosso potencial, e os professores ouvintes também porque conhece a LIBRAS assim crianças surdas vão comunicar em LIBRAS e tbm desenvolveram a sua linguagem.
    Não fiquem parando e vamos a luta, quando a escola inclusiva não tem interprete de LIBRAS e vamos reclamar para MEC e até Ministerio Publico Federal de Direitos Humanos.
    Abraços sinalizados.
    Prof. Neivaldo A. Zovico

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